sexta-feira, 12 de março de 2010

Aprendendo com formiguinhas

Abaixo segue um texto escrito por mim para a aula de Gestão Empresarial, com base nos conhecimentos teóricos sobre o tema e no filme Vida de Inseto, da Disney.
Gosto muito de analisar obras de ficção e verificar suas relações com a realidade, buscando analogias bastante interessantes e didáticas para ensino.
Bom proveito.

Vida de inseto: Uma análise organizacional
O belo filme infantil Vida de Inseto, produzido pelos Estúdios Disney no fim da década de 1990 e indicado ao Oscar de Melhor Trilha Sonora, é muito mais do que uma mera fábula sobre formiguinhas e joaninhas. Analisado sob olhos criticamente treinados, percebe-se claramente paralelos e analogias às relações humanas laborais, além de ser uma metáfora sobre a transição individual para níveis mais elevados de maturidade.
A estória é contada através de lindas imagens digitais que, logo ao princípio, mostram um típico dia no formigueiro no qual o enredo é centrado. Percebemos claramente a nítida divisão e especialização do trabalho: enquanto umas formigas andam em fila, com passos constantes, outros supervisionam o trabalho e outras controlam a produção, enquanto a Rainha, sempre respeitada, cuida da árdua tarefa de ensinar seu ofício à sua primogênita, passando seu conhecimento numa via de mão única.
Percebe-se claramente que a estrutura organizacional daquele formigueiro, apesar de gerar frutos, encontrava-se estagnada e sua mão-de-obra, ainda que estimulada autoritariamente, revelava não utilizar todo seu potencial. Podemos relacionar tal fato ao próprio propósito do trabalho em si: as formigas trabalhavam arduamente colhendo alimento não para consumo e/ou lucro próprio, mas sim para perpetuar uma situação de exploração e violência, alimentando os gafanhotos. Da forma como os ensinamentos da Formiga Rainha estavam sendo passados à sucessora Princesa Atta, presume-se que tal situação seria perpetuada pela segunda geração, caso uma certa formiga não se destacasse na multidão.
Esse é um aspecto muito curioso do filme, mostrar o papel que um único individuo pode desempenhar na mudança de toda uma estrutura social/organizacional. Como disse o Imperador Chinês de Mulan, outro clássico Disney, “Um grão de arroz pode virar a balança. Um homem pode ser a diferença entre a vitória e a derrota.”. É bem engraçada a forma como somos apresentados ao protagonista Flick, a criativa formiga operária que vai quebrar todo o status quo do formigueiro. Logo no começo da estória, Flick demonstra sua criatividade utilizando uma colheitadeira por ele inventada. Porém, aquele formigueiro, governado pelas regras tradicionais da Formiga Rainha, revelava-se deveras conservador e baseado na gestão centralizada, que não valorizava as qualidades individuais como a criatividade daquele humilde empregado. As formigas-operárias, cujo trabalho era basicamente braçal, deveriam limitar-se às suas tarefas mecânicas e repetitivas, tendo qualquer forma de modernidade reprimida. Mas vale ressaltar que tal situação não era mantida por ambição ou ganância da Formiga Rainha, mas sim porque aquela é a TRADIÇÃO: Ela aprendeu que um formigueiro deveria ser administrado daquela maneira, e sua sucessora deveria seguir tal exemplo. Dessa forma, as formigas temem qualquer situação nova, o que é representado pelas angústias e receios da Princesa Atta e pela cômica queda de uma pequena folha, quebrando a ordem da fila e desnorteando as pobres formigas que apenas aprenderam a andar em filas retas e carregar alimentos.
Superado o tumulto causado pela queda da folha, a formiga Flick acidentalmente provoca a perda de toda a colheita do formigueiro, inflamando a ira dos gafanhotos e, consequentemente, atemorizando todas as formigas. A figura de Hopper- o líder dos Gafanhotos- é bastante interessante pois contrasta com a da Rainha Formiga. Ele lidera sua equipe através do Poder, enquanto ela o faz através da Autoridade. Enquanto ele é obedecido e temido devido sua força e capacidade de coerção, ela o é devido sua influência pessoal derivada da tradição de respeito ao seu cargo e dos seus longos anos de exercício, porém sem reflexão por parte dos subordinados. Numa audiência pública que mostra a Hierarquia Organizacional do Formigueiro, Flick é julgado pela realeza, pelos membros daquele Conselho e pelos civis, tendo que sair do formigueiro e partir em busca de ajuda para reverter a situação caótica que criara.
Numa clara alusão à ideia de libertação, Flick cruza as fronteiras do formigueiro voando numa pequena flor, por céus nunca antes enfrentados. Era a primeira vez que uma formiga daquela colônia saía de suas fronteiras, e Flick literalmente sentia-se um interiorano na cidade grande. Não à toa, é notável sua admiração com o controverso grupo de insetos de Circo, que parecem modernos, livres e fortes: qualidades que subconscientemente ele desejava ver – e via- em si mesmo.
Também buscando a libertação da estrutura organizacional obsoleta e opressora às quais estavam subordinados, os insetos de Circo unem-se a Flick, e aquele interessante grupo de desajustados partem em direção ao Formigueiro. É curiosa a maneira como eles são recepcionados, tendo em vista o receio que o formigueiro tinha ao que era novo e diferente. Mas tempos difíceis exigem medidas desesperadas, mostrando que os problemas devem ser usados como catalisadores de crescimento e transformação. Afinal, como um velho jargão diz, “Se a vida lhe dá limões, faça uma limonada!”. A peça apresentada em homenagem aos “heróis” é uma divertida homenagem intertextual à peça Píramo e Tisbe, apresentada em “Sonhos de uma Noite de Verão”, de Shakespeare. As formigas acolhem o grupo de forasteiros e suas ideias controversas e modernas, olhando Flick com outros olhos: os olhos da esperança, que não tem mais para onde recorrer. Tendo o apoio da Realeza e da grande massa trabalhadora, Flick finalmente pode exercer sua Liderança e aplicar medidas sutis que transformam toda a vida daquela comunidade.
Não à toa, a produtividade aumenta a partir do momento em que as formigas passam a sentir-se parte importante do processo produtivo, num ambiente de trabalho mais descontraído e organizado. Flick mostra-se um bom líder, que valoriza as peculiaridades de cada um, utilizando-as de forma a melhor aproveitá-las no trabalho. Também mostrou-se aberto a críticas e a novas ideias. Com efeito, são perceptíveis as mudanças sentidas pelos Insetos de Circo, que sentem-se verdadeiramente importantes, fortes e capazes e, por que não dizer também, mais humanos. Afinal, na vida real um bom líder é aquele que cuida e serve aos seus subordinados, mantendo a boa manutenção daquela que é a parte principal de todo o processo produtivo por ele chefiado.
O planejamento detalhado promovido por Flick para a derrota dos Gafanhotos, utilizando ideias e sugestões das outras formigas, permitiu um melhor controle daquele processo e, consequentemente, a sua melhor execução. Uma grande diferença entre a nova e a antiga administração das formigas é percebida quando eles colocam em ação o plano do Pássaro e o mesmo não vai de acordo com o planejado. As formigas não se desesperaram e souberam contornar o problema, contrastando paradoxalmente com a queda da folha ao começo do filme.
E assim como o interior de cada formiga trabalhadora é transformado, a vida da Princesa Atta também o é. Junto com Flick, Atta passa a ter uma nova visão de Liderança e administração, desenvolvendo seu próprio tipo de Liderança e sua autogestão, tornando-se mais confiante e autônoma. Atta livrou-se dos velhos paradigmas aos quais sua mãe- e ela própria- estava presa, permitindo uma administração dos operários mais eficaz e eficiente.
Por isso, não foi surpresa quando todas as formigas uniram-se contra os opressores Gafanhotos ao ouvir o inflamado discurso da futura Rainha: “as formigas colhem, as formigas ficam com a comida e os gafanhotos voam!”. Isso mostrou que a mudança fora realizada no topo e na base da pirâmide hierárquica, possibilitando que todas as formigas e insetos de circo lutassem juntos contra os Gafanhotos que, apesar de maiores, eram menos numerosos. Seguindo o espírito de uma famosa frase, “Sonho que se sonha junto se torna realidade”. A passagem da coroa para Atta oficializa a mudança de paradigmas naquele formigueiro, onde a antiga pirâmide hierárquica das relações laborais passou a ser mais horizontalizada e as individualidades mais respeitadas e aproveitadas. A curiosa cena da colheita final, com o uso das máquinas colheitadores desenvolvidas por Flick, comprova as transformações no perfil empreendedor do Formigueiro, tornando seus membros mais espontâneos, criativos e pró-ativos.
Conseguindo arrancar do espectador muito mais do que boas risadas, Vida de Inseto é comprovadamente uma excelente fonte para análise organizacional de empresas e, por que não, de nossas próprias vidas. Tal qual a doce formiguinha princesa Dot, todos deveriam ser mais curiosos e abertos a novas ideias que possam nos edificar, transformando experiências desagradáveis em sementes que, bem semeadas, venham a verdadeiramente transformar o jardim de nossas vidas e empresas.